Foto: Reprodução TV Vitória
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Os amantes de trilhas e caminhadas não podem ficar de fora da 11ª edição do “Passos de Anchieta”, roteiro capixaba que reúne aspectos ecológicos, históricos, religiosos e culturais, rodeados sempre por belíssimas paisagens. Neste ano, a caminhada acontece entre os dias 22 e 25 de maio, com expectativa de público de aproximadamente 3,5 mil pessoas.
O roteiro revive a trilha histórica delineada pelo beato José de Anchieta durante os dez últimos anos de sua vida, e margeia o litoral capixaba seguindo de Vitória até Anchieta.
O “Passos de Anchieta” é o quarto roteiro desse tipo existente no mundo – os outros três são os famosos caminhos de Santiago de Compostela, na Espanha; a trilha da Terra Santa, em Jerusalém; e a de Roma, na Itália.
Roteiro da fé
O caminho de 100 quilômetros era uma prática andarilha dos colonizadores do século XVI que utilizavam as praias devido à falta de trilhas na vegetação cerrada que cobria o território.
Durante a caminhada coletiva oficial, o percurso é realizado em quatro dias, divididos nos seguintes trechos: o primeiro, entre Vitória e Barra do Jucu, em Vila Velha, são percorridos em média 25 km. O segundo trecho que compreende a Barra do Jucu até Setiba, em Guarapari, perfaz 28 km. No terceiro dia são percorridos 24 quilômetros entre Setiba e Meaípe, ainda em Guarapari. E finalmente os 23 km finais abrangem Meaípe até Anchieta, na Igreja Matriz do município.
Os organizadores do evento fazem uma programação cultural recheada de dança, música e outros atrativos locais. Todo final de percurso os andarilhos, como são chamados os peregrinos, confraternizam e fazem novas amizades.
Estrutura
Associação dos Amigos dos Passos de Anchieta (Abapa), Ong que organiza o evento e cuida da rota, monta em todo o percurso pontos de apoio, chamados “oásis”, onde os andarilhos recebem água, frutas e medicação para as câimbras, bolhas e torções que inevitavelmente acabam surgindo nos menos preparados.
Na ocorrência de algum caso mais grave, há ambulâncias prontas para remoção de acidentados. E aqueles que acabam desistindo no meio do caminho, também podem pegar uma carona nos carros de apoio da organização.
Também nos postos, as credenciais devem ser carimbadas para que no fim do percurso o andarilho receba o certificado de participação. É preciso ter pelo menos metade dos 16 carimbos, para comprovar que o trajeto foi cumprido.
O dia a dia da caminhada
1º dia é marcado por construções históricas
O ponto de encontro dos andarilhos é a praça da Catedral Metropolitana, no Centro de Vitória. A construção do templo católico começou em 1920 e demorou 50 anos para ser concluída. Com estilo neo-gótico o monumento possui belíssimos vitrais. Como Vitória é uma ilha, para chegar a Vila Velha os andarilhos passam pela Terceira Ponte.
Do outro lado, em Vila Velha, a próxima parada dos andarilhos é o Convento da Penha. Um dos santuários mais antigos do Brasil, fundado em 1558 por Frei Pedro Palácios, o Convento fica a 154m de altitude e está cercado pela Mata Atlântica. Seu interior preserva séculos de história. Quadros do pintor paulista Benedito Calixto retratam as diversas fases e as agressões estrangeiras sofridas pelo Convento. Do alto do morro, tem-se uma bela vista de Vitória e Vila Velha.
Seguindo sempre pelo litoral, a rota continua pelas praias urbanas de Vila Velha: Praia da Costa, Itapoã e Itaparica, com suas dezenas de quiosques contrastando com os modernos edifícios da orla, chegando a Barra do Jucu, conhecida como paraíso do surf e das bandas de congo. Aqui vale a pena uma pausa para degustar uma moqueca capixaba e ouvir os tocadores de congo, ao som ritmado dos tambores e das casacas.
No roteiro do primeiro dia destaque também para a travessia da Ponte da Madalena, eternizada pela música de Martinho da Vila, e pelo Parque Natural Municipal de Jacarenema, na Barra do Jucu, com seus mangues, restingas e foz do Rio Jucu.
2º dia de reflexão e auto conhecimento
Enquanto o primeiro dia se passa quase todo em área urbana, no segundo trecho as praias são praticamente desertas. Saindo da Barra do Jucu, os andarilhos passam pela praia de Ponta da Fruta, parada obrigatória do beato Anchieta. Nesta praia ele parava para se alimentar das frutas tropicais da região, por isso o nome Ponta da Fruta. Lá, os andarilhos podem aproveitar uma grande lagoa de água doce. Em seguida entram na área de restinga protegida pelo Parque Estadual Paulo César Vinha. As próximas praias são um convite à reflexão interior e contemplação da natureza.
Apesar do segundo trecho ser considerado um dos mais bonitos, ele é também o mais cansativo, pois praticamente todo o percurso é feito na areia. A segunda parada para pernoite é feita em Setiba, já em Guarapari. A região é conhecida como point para praticantes de surf e canoagem em onda. Pois a praia de Setibão além de ser quase deserta, possui ondas fortes e bem desenhadas. Daí o local, assim como a Barra, ser reduto de surfistas.
3º dia de paisagens deslumbrantes e areias medicinais
Apesar de todos os percalços do caminho, o andarilho certamente se sentirá recompensado ao passar pela região conhecida por Aldeia e pelas Três Praias, em Guarapari no terceiro dia da caminhada. Nos locais a natureza mostra suas enseadas caprichosamente desenhadas e emolduradas com pedras e ondas mansas e preguiçosas.
Guarapari, uma das cidades fundadas pelo Beato, é conhecida nacionalmente devido às suas praias de areias monazíticas, que possuem efeitos benéficos à saúde. Durante o verão, sua população chega a aumentar cinco vezes de tamanho, com turistas vindos principalmente de Minas Gerais e do planalto central, atraídos não apenas pelas poderes curativos das areias radioativas, mas também pela beleza das praias e agitação noturna.
Ainda no Centro de Guarapari fica o poço dos Jesuítas. Construído por Padre Anchieta em 1585 o poço mantém conservada sua estrutura e continua a funcionar.
Meaípe é o terceiro ponto de parada do roteiro. No verão a tranqüila enseada se transforma em um dos points mais badalados do litoral capixaba. Lá estão as mais agitadas boates do Estado.
São poucos os andarilhos que se arriscam a uma esticada até as famosas boates da cidade. A ordem é guardar forças para encarar a última etapa da caminhada.
4º dia – templo de Anchieta
A última etapa, de 23 km, é um resumo de todos os anteriores, pois alterna trechos onde se caminha em praias desertas, rodovias e estradas de terra. Na beira das praias são encontrados poços naturais de água potável que, dizem, terem sido abertos pelo Padre Anchieta, ainda durante suas caminhadas para saciar a sua sede e a dos índios que constantemente o acompanhavam.
Ubu, uma pequena vila à beira de uma extensa praia de águas mansas, recebeu este nome quando Anchieta ali passou pela última vez. Carregado por uma multidão de cerca de três mil índios, seu esquife tombou, o que fez os índios exclamarem “Aba Ubu” – O padre caiu.
Hoje, no local onde se diz ter ocorrido tal fato existe uma cruz, onde os andarilhos, ao passarem, viram-se de costas e atiram conchas, cada uma simbolizando um pedido que gostaria que fosse atendido pelo padre. Uma alusão às pedras que são atiradas por cima do ombro, no caminho de Santiago.
O último oásis do caminho fica na praia de Castelhanos, onde muitos esperam pelos que ficaram para trás, para poderem percorrer os últimos quilômetros e subirem as escadarias do santuário juntos.
O grande prêmio da caminhada é a visão da escadaria que leva ao santuário de Anchieta, uma construção jesuítica de 1597, erguida pelo beato em seu último ano de vida com a ajuda dos índios tupis. Nessa hora, os participantes compartilham não só a refeição de boas vindas, mas também toda uma história de solidariedade, superação de obstáculos físicos, companheirismo e satisfação.
Fonte: Folha Vitória