O mercado foi tomado de assalto, ontem, no início da noite, pelo fim de uma negociação já dada como certa. O Banco do Espírito Santo (Banestes) não será mais vendido ao Banco do Brasil, segundo consta no fato relevante enviado pelas instituições financeiras à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
As negociações, oficializadas no dia 5 de fevereiro deste ano, haviam sido fortemente recomendadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao que tudo indica, a falta de um consenso sobre quanto vale o Banestes foi a causa do impasse.
Segundo o secretário estadual de Desenvolvimento, Guilherme Dias, a decisão foi tomada ontem, depois de uma reunião entre o governador Paulo Hartung e o presidente do BB, Aldemir Bendine, em Vitória. "A conjuntura econômica, de certo modo, continua volátil, e as partes entenderam que essa volatilidade deve continuar nos próximos meses, tornando-se um limitador para avançar nas negociações", explicou Dias.
O curioso é que, apesar de ter sido comunicado à CVM às 19h22, o fato relevante não foi divulgado para a imprensa local. As informações referentes à interrupção nas negociações circulavam no mercado por meio de fontes ligadas ao setor financeiro. Apesar do termo "comum acordo", foi o governo do Estado quem decidiu encerrar a negociação por não concordar com o valor proposto pelo BB.
O que se comentava no mercado financeiro, no entanto, é que os quatro meses de negociação não foram suficientes para se chegar ao um valor satisfatório para as duas partes. Apesar de o governo do Estado estar interessado em vender e o BB querendo muito comprar, o preço foi o fator decisivo para o negócio não dar certo.
O Banestes é um dos quatro bancos regionais que ainda estão sob controle de governos estaduais (incluindo a instituição do DF). Ao recomendar a negociação, a intenção de Lula é fortalecer os ativos do BB que, nos últimos dois anos, comprou os bancos do Piauí (BEP), de Santa Catarina (Besc), Nossa Caixa (SP) e Votorantim (privado).
Novos produtos
O importante, segundo Dias, é que, no período da negociação, o Banestes continuou atuando normalmente, "inclusive abrindo novas agências e lançando novos produtos".
Segundo ele, nada deixou de ser feito, os dois bancos continuaram atuando normalmente e continuarão o trabalho já que as negociações não interferiram no funcionamento das instituições, assegurou Dias. O secretário não quis falar sobre a possibilidade de o Banestes voltar a ser negociado no futuro. "Não é o caso de fazer conjecturas neste momento", disse ele.
Tanto o BB quanto o governo do Estado contrataram empresas de consultoria para fazer uma avaliação do Banestes. Evidente que os valores não foram divulgados, mas o mercado especulava que as ações em mãos do Estado, 92%, poderiam chegar a R$ 1,2 bilhão. Os 8% restante das ações está nas mãos de acionistas minoritários.
Notícia deve derrubar ações do Banestes
O analista de mercado Geraldo Carneiro acredita que as ações do Banestes devem despencar já hoje com essa notícia do encerramento das conversas entre governo do Estado e Banco do Brasil. "A expectativa do mercado era pela venda do Banestes, essa notícia chega para desestabilizar tudo que estava posto. A reação deve ser bem negativa". Na véspera do anúncio do início das negociações, a ação chegou a se valorizar 18,5%, chegando a R$ 6,96. Depois do anúncio, o preço da ação do Banestes ultrapassou os R$ 9. Ontem, antes da divulgação do fato relevante que suspendeu as negociações, as ações da instituição capixaba estavam cotadas a exatos R$ 9.
Só temos a lamentar", diz Izoton
"Imaginávamos que as negociações estavam caminhando para o final. O fato relevante, divulgado ontem, surpreendeu a todos, e nós só temos a lamentar o fato", afirmou o presidente da Federação das Indústrias (Findes), Lucas Izoton, ao saber da decisão do governo do Estado de encerrar a negociação da venda do Banestes para o BB.
Izoton ressalta que seria muito positiva a venda do banco do Estado neste momento, inclusive para o próprio governo, "já que sabemos que uma instituição bancária como o Banestes, com a sua estrutura atual e características regionais, só tende a se fragilizar cada vez mais". Com isso, acredita ele, perde espaço e valor de mercado.
Sendo incorporado por um grande banco como o BB e, em contrapartida, dando uma série de garantias como emprego aos atuais funcionários e manutenção do número de agências, quem ganharia seria a população, além do Estado, pois o governo teria mais recursos em caixa para investir em infraestrutura, como já estava planejado anteriormente.
Incerteza
O futuro do Banestes passa a ser de incerteza, segundo Izoton, em função das mudanças que deverão acontecer a partir de 2012, quando as prefeituras e empresas públicas puderem escolher com qual banco irão trabalhar. "Sem a obrigatoriedade de trabalhar com o Banestes, as contas das prefeituras poderão migrar para qualquer banco", preocupa-se Izoton.
Com isso, o Banestes poderá se fragilizar mais, e enfrentar mais dificuldades de operação. "Certamente, também perderão valor de mercado", destaca o presidente da Findes, que acredita ser este o melhor momento de negociar o controle do banco estadual.
Izoton, no entanto, mantém o otimismo e acredita que será possível, num futuro próximo, o governo do Estado voltar a negociar a instituição estadual. A suspensão da venda agora talvez faça com que as duas partes revisem as condições de venda do banco, acredita ele. "A opção pode virar, no futuro, uma obrigação de venda em condições bem mais desfavoráveis", afirma ele. (Denise Zandonadi)
Memória: fatos que cercaram as negociações
Banestes viveu maus momentos
2001
Governo anuncia que espera privatizar o Banestes em 2002.
2002
Sindicato e funcionários se mobilizam para impedir a privatização. O então governador José Ignácio exonera a diretoria do banco.
Sai Deosdete José Lorenção (contra a privatização) e entra João Luiz Tovar (favorável).
Os três pré-candidatos ao governo, os então deputados federais João Coser e Max Mauro e o senador Paulo Hartung, assumiram, publicamente, o compromisso de não privatizar o Banestes.
A Assembleia Legislativa aprova, por 20 votos contra nove, a proposta de emenda constitucional (PEC) que revoga artigos da Constituição estadual que impediam a privatização do Banestes.
O presidente do banco e secretário estadual da Fazenda, João Luiz Tovar, estabelece agosto para a venda do banco. Valor de mercado do banco entre R$ 230 milhões e R$ 300 milhões.
Assessoria jurídica contratada pelo Sindibancários aponta várias ilegalidades e inconstitucionalidades no edital.
Gravações feitas pela Polícia Federal, com base em quebra de sigilo telefônico autorizada pela Justiça, indicam que houve um grande esquema de corrupção, incluindo membros do governo e pelo menos 16 deputados, para a aprovação, na Assembleia Legislativa, da privatização do Banestes.
Diálogos extraídos das fitas geram a suspeita de que deputados receberam R$ 80 mil para votarem favoravelmente ao projeto de venda do banco.
2009
Depois de muita especulação sobre uma possível venda para o Banco do Brasil, o governador Paulo Hartung, depois de uma conversa com o presidente Lula, decide, em 5 de fevereiro, iniciar as negociações para vender a instituição.
Um dia depois do anúncio, o governador, em entrevista coletiva, afirma que essa era a melhor hora para a venda do banco e que "a permanência dele (Banestes) como estadual seria como jogar o dinheiro do capixaba pelo ralo".
Três empresas, duas pelo BB e uma por parte do governo, foram contratadas para precificar o banco e o martelo, segundo fontes de dentro do governo, seria batido em questão de dias.
Opinião
"Uma Vitória do Espírito Santo"
Carlos Pereira de Araújo
coordenador do Sindicato dos Bancários
Para o Sindicato dos Bancários, o encerramento das negociações entre Banco do Brasil e governo do Estado representa uma vitória da sociedade capixaba.
"Essa é uma vitória da sociedade civil, que sempre se posicionou contra a venda do Banestes, mas o governo do Estado se negava a ouvir a voz do povo. Permaneceremos atentos, em vigília, porque o governador Paulo Hartung já mostrou que não tem o compromisso de manter o Banestes público e estadual", afirmou o coordenador geral do Sindicato dos Bancários do Espírito Santo, Carlos Pereira de Araújo, o Carlão, que também é coordenador do Movimento Banestes Público e Estadual.
Segundo ele, o plebiscito organizado pelo sindicato é uma prova de que a população do Estado não queria a venda do Banestes, mesmo para o BB. Foram mais de 45 mil votantes entre os dias 16 e 22 de março, 91,38% (41.738 pessoas) se manifestaram contrários à venda. "Caso essa venda fosse confirmada, o Estado sairia perdendo. Os investimentos, principalmente para o agronegócio, cairiam muito, e a população teria um atendimento pior".
Fonte: Jornal AGazeta
Enviado Por:
Eliaro
Publicado em 24/06/2009 às: 0-2:15
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